Fuga e Encontro
Histórias Inesperadas

Foi um encontro inusitado. Eles eram apenas adolescentes, moravam nas ruas e encontraram-se por acaso em frente a uma padaria. Daniel estava pedindo algo para comer e Luiz apenas estava ali por perto. Ambos estavam em uma situação nada invejável, sofrendo sozinhos e esquecidos pelo mundo.

Já fazia algum tempo que Daniel tinha fugido dos maus tratos que recebia em casa. Ele viera de Jaboticabal, no interior de São Paulo, onde morava com os pais e dez irmãos numa fazenda. Seu pai batia nos filhos pelos motivos mais banais e bastava que um deles houvesse feito algo errado para que eles fossem obrigados a se abraçarem de dois em dois enquanto o pai surrava quase todos os filhos de uma só vez. Daniel já não aguentava mais e temia que, com o passar do tempo, acabasse perdendo a cabeça e matando o próprio pai. Sendo assim, fugiu de casa e veio para São Paulo onde, sem ter alternativa, foi viver nas ruas.

Luiz viera da Vila Prado, em São Carlos, também interior de São Paulo. Em sua casa moravam ele, seus pais, sete irmãos e um primo de fora adotado e era como um dos irmãos. Trabalhou desde cedo e também sofria com a severidade do pai que, com frequência, punia os filhos por qualquer deslize, surrando-os com um açoite feito de couro de gado cru, conhecido popularmente como “rabo de tatu”. Se um apanhava os demais apanhavam também, para que um não risse da surra que o outro tinha levado. O instrumento de castigo ficava sempre na sala, pendurado na parede, como um lembrete das surras e um aviso para quem quisesse desobedecer.

A revolta havia chegado a um limite difícil de suportar e Luiz decidiu que seria melhor fugir de casa. Mas isso era algo que teria que ser bem planejado, pois não teria como voltar atrás. Se algo desse errado, não daria para imaginar que tipo de castigo o aguardaria em casa. Sendo assim, ele planejou tudo muito bem e com antecedência, para nunca mais ter que voltar.

Seu pai trabalhava na ferrovia, o que lhe deu muitas oportunidades de aprender o que poderia ser útil quando fosse fugir. Ele tinha fácil acesso à estação ferroviária e sabia até mesmo como driblar o chefe de trens, especialmente quando este viesse pedir o bilhete durante a viagem, algo que ele não tinha. Mais ainda, ele sabia onde ficava a escala de trabalho do seu pai e podia planejar o momento certo de fugir antes que este descobrisse.

Ele viajou só com alguns centavos no bolso. Parecia tudo muito fácil até que ele desembarcou no centro de São Paulo, na Estação da Luz, onde viu uma multidão de pessoas circulando para lá e para cá e sentiu-se absolutamente perdido! Lá estava ele diante de uma realidade inesperada: estava sozinho numa selva de pedra, sem conhecidos, sem dinheiro, sem casa e nem comida.

Saindo da estação, sem saber o que fazer, ele passou o dia no Jardim da Luz, em frente ao local da sua chegada. Ao anoitecer ele entrou novamente na estação, na esperança de poder passar a noite lá, talvez sentado em algum banco; mas os guardas não deixaram e ele teve que sair e passar sua primeira noite na cidade grande dormindo na rua, em pleno centro de São Paulo, no Jardim da Luz. Foi assim que, não lhe restando opção, passou a viver na rua.

Como foi difícil encarar a realidade! Que dolorosa foi a sua angústia, sem rumo, sem perspectivas e sem saber o que fazer! Como seria daqui pra frente? O que seria pior: apanhar do pai ou ser um mendigo? Seria esse o seu destino? Encontraria ele uma saída para aquela situação?

Não foi muito tempo depois disso que Luiz se encontrou com Daniel naquela tarde, em frente à padaria e eles logo descobriram que tinham muita coisa em comum; até mesmo a vontade de vencer na vida, embora estivessem naquela situação.

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Texto extraído do livro
Histórias Inesperadas
da Editora Luzes da Alvorada.
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